Ao contrário da maioria dos diretores de novela, Reynaldo Boury quer distância da muvuca dos estúdios. Com sucessos como “Sinhá Moça” (1986), “Selva de Pedra” (1972) e “Tieta” no currículo, ele coordena as gravações de “Carrossel”, no ar há duas semanas, de uma TV de plasma instalada em sua sala no SBT — dois outros diretores ficam no estúdio. “Aos 80 anos, não tenho mais saúde para aguentar tanta criança”, justifica. A bagunça, de fato, é grande. No intervalo das cenas, os dezessete atores mirins, com idade entre 8 e 12 anos, brincam de pega-pega pelos cenários e gritam sem parar. Mas basta Boury ver uma cena da qual não gosta para baixar pessoalmente por ali. “Ele parece bravo, mas explica o que quer de cada um”, diz a tagarela Maísa Silva, 10 anos, que estreia como atriz na pele de Valéria.
O jeitão detalhista vem dos tempos da extinta TV Excelsior, em que esteve por trás das câmeras de “Redenção”, o folhetim brasileiro mais longo da história, com 596 intermináveis capítulos, e foi acentuado quando implantou o “Sítio do Picapau Amarelo”, em 1977, na Globo. “Como filmávamos muito em áreas externas, aprendi a planejar bem os roteiros para otimizar o tempo e a ter sempre um plano B para qualquer eventualidade climática”, lembra. No remake de Irmãos Coragem, em 1995, testou os limites de sua serenidade, com atores que lhe davam dores de cabeça piores do que os agitadinhos do SBT. “Assumi a novela após o diretor Luiz Fernando Carvalho ser afastado e fui maltratado pelo elenco, que não seguia minhas ordens”, recorda. “Com Carvalho, eles se sentiam fazendo uma obra de arte. Quando cheguei, todos me questionavam o tempo inteiro.”
Sua experiência de décadas tem sido fundamental para comandar “Carrossel”. A rotina de gravações é apertada, já que os intérpretes dos alunos, por questões legais, só podem trabalhar seis horas por dia. Mas o resultado tornou-se o maior sucesso da história recente do SBT — média de 12 pontos de audiência, com picos de 17. “Imaginava que daríamos uns 7 pontos, mas não que fôssemos bater a Record”, comemora, sobre o fato de o programa ter feito a rede retomar a vice-liderança no horário nobre. Na mesma faixa, a concorrente exibe o Jornal da Record e a Globo segue inabalada com o Jornal Nacional, sempre acima dos 30 pontos. Isso é bem diferente do que ocorreu nos anos 90, quando a versão original da atração chegou a ameaçar a liderança do noticiário global, mas ainda assim um grande êxito para a emissora de Silvio Santos, com fila de espera para ações de merchandising.
Essa repercussão positiva dá novo gás ao diretor. Filho de um eletricista e de uma auxiliar de enfermagem, ele foi criado no Bixiga e começou como operador de câmera na também desaparecida Tupi. A aposentadoria aconteceu contra a sua vontade, em 2000, quando a Globo decidiu lhe pagar uma pensão vitalícia “muito boa”, segundo ele. “Queria mesmo era ter continuado na ativa”, suspira. Sem trabalho no Brasil, Boury atendeu a um chamado da TV angolana e partiu para implantar um núcleo de dramaturgia no país africano de língua portuguesa em 2004. Fez três novelas por lá e, com o fim do contrato, em 2008, achou que só lhe restava passar os dias vendo séries americanas e alimentando um blog sobre as experiências do passado. A história mudou quando o autor Tiago Santiago o chamou para dirigir “Amor e Revolução”, exibida em 2011 pelo SBT.
A empolgação em estar de volta tem contagiado a família, que herdou o gosto pela teledramaturgia. Casado há 55 anos com Itacy, com quem vive “um amor de novela”, ele é pai de Margareth, autora da adaptação brasileira de “Rebelde”, na Record, e de Alexandre, que foi um dos diretores de “Vidas em Jogo”, no mesmo canal. O DNA televisivo se manifestou ainda em Guilherme, um de seus oito netos, que atuou em “Fina Estampa”, na Globo. Conviver mais com eles é o maior desejo de Boury para quando “Carrossel” acabar. “Mas sei que isso não vai se realizar”, acredita. “Sou um velhinho maluquinho: não consigo ficar parado.”
Fonte: TV FOCO
Créditos: Carrossel BR
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